domingo, 31 de julho de 2011

Não dá pra ficar sem Cezita, já tô emagrecendo...

Qual a idade de uma brevidade?

   Era final da década de 60 no interior de Minas Gerais. O galo já cantava no alto da serra que beirava a pequena cidade e D. Conceição já estava de pé arrumando, como sempre, algo de bom na cozinha da grande casa.
   -Bença mãe! Outra vez de pé a essa hora da manhã? Mãezinha, a senhora já está quase passando de meio século de vida, não precisa levantar tão cedo mais!E ainda por cima está fazendo muito frio hoje. Aceita uma xícara de chá? – Mariza, a filha mais velha de D. Conceição, estava junto à porta da cozinha já com um pijama azul e chinelos rosa claro. 
   -Deus lhe abençoe filha! Eu já falei que se eu só ficar trabalhando na venda e depois deitada em casa, o trem da vida passa e me deixa pra trás. E ainda por cima, conversada, só tenho 43 ainda. – ela falou calmamente já abrindo a velha despensa da casa. – Mudando de assunto, espia os bons feitos de sua mãe! Vou fazer aquela receita que todos vocês gostam! Mas só depois que eu pegar o que preciso na venda...
   -Brevidade! Eu amo esse bolinho do paraíso, posso ajudar? Prometo que não vou comer massa crua, quero dizer, posso ir com a senhora à venda? – sua filha logo exclamou correndo para tentar ajudar a mãe.
   -Alto lá Mariza! Não adianta fazer promessa que você sabe que não vai cumprir. – Conceição dava risadinhas enquanto batia de leve na cabeça da filha. – Quem vê você assim até pensa que eu nunca fiz brevidade. Vai! Xispa! Vai brincar de amarelinha ou de boneca com suas irmãs, vou à venda de seu pai buscar o que preciso para a receita...
   À medida que D. Conceição falava, os irmãos de Mariza se aglomeravam na parte preferida da casa, a cozinha, onde todos ansiosos indagavam a mãe sobre a tal brevidade.
   Apesar de ser uma mulher de quase cinco décadas, D. Conceição raramente acordava depois das cinco e meia. Ela era a grande matriarca de uma família composta, até então, por seis filhos e, por essas e outras, não se permitia ficar quieta por muito tempo. Todo minuto que tinha de folga, caminhava até a venda de seu marido José para tirar um bom dedo de prosa com todas as pessoas que apareciam por lá. E não pense você que D. Conceição se sentava pacientemente em uma cadeira do pequeno mercado só para jogar conversa fora. Sempre caminhava para a venda com um rolinho de tricô, um crochê ou uma costura para arrematar na mão ajudando assim José a complementar a renda da família. 
   -Ô mãe, por que o bolinho que a senhora faz chama brevidade? - Tunico rapidamente entrou na cozinha e perguntou ao mesmo tempo em que pegava goiabada na caixa de madeira na velha prateleira. - Será que antes alguém já achou que ele, por ser pequeno, gostoso e derreter na boca podia ser um doce que diminui a idade das pessoas? Ou até retorna aos poucos os tempos da juventude? Ou ainda porque não demora para assar?
   -Pode ser, mais o que você tá fazendo aqui? Deixa sua mãe ao menos separar os ingredientes! Nem fiz o bolinho ainda e minha macacada tá quase toda aqui, ô meu Jesus... Tunico, vai brincar com o Geraldinho ou jogar bolinha de gude que vocês gostam! Aproveitem que hoje é sábado e não tem aula, depois não venham chorar pro meu lado dizendo “-Que mãe chata, não me deixa fazer nada”.
   -Brevidade, obá! Vem mãe, a senhora tá cansada de tanto trabalhar. Pode sentar e deixa que eu termino o bolo. Eu juro que distribuo igualmente pros meus irmãos. – Juca, o filho mais velho de D. Conceição, foi o último a acordar e ir para a cozinha perturbar a mãe.
   -Ah, Deus te abençoe Juquinha. Nossa, queria que meu filho mais velho fosse assim tão responsável e amigo da mãe como você! - A mulher ergueu suas mãos enquanto olhava já para os olhos de Juca. – Bem diz o ditado, quando a esmola é demais até o santo desconfia.
   - Até parece. - disse Lurdinha chegando perto do fogão. - Ele não vai distribuir nada se eu bem conheço.
   D. Conceição aumentou um pouco o tom de voz e disse:
   - Não comecem vocês! Pensando bem, vou aceitar o convite. Vamos fazer assim... vou deixar que vocês façam a brevidade. – ela falou e logo tapou os ouvidos com as mãos, pois o instinto materno já a tinha alertado dos gritos de euforia e emoção que os filhos iriam fazer. – Calma! Quero que vocês vão lá na venda de seu pai e tragam tudo o que uma brevidade precisa, façam a massa, batam, tudo bonitinho... Quem conseguir fazer a melhor brevidade em menos tempo pode ir à matinê do cinema hoje! Enquanto isso vou arrematar um vestido que preciso entregar até amanhã.
   As crianças pensaram, repensaram e logo recomeçaram a algazarra caminhando felizes para a escada da casa. A mãe deu um beijo na bochecha de cada filho e depois foi para a sala arrematar a costura.
   Os filhos de José e Conceição adoravam ir à venda do pai. Para eles, isso já os fazia “gente grande” mesmo que a distancia do pequeno mercado fosse subir alguns degraus e chegar à parte da frente da casa onde ficava a venda.
   -Fecha à porta Maria, seu pai já vem! – Fatinha, a filha mais nova de D. Conceição, subia os degraus pensando que falaria esta frase quando fosse ao cinema mais tarde. Afinal, a beira do caminho era cheia dessas plantinhas cujas folhas se fechavam ao toque das mãos como mágica.
   - Fatinha a gente vai perder o concurso! Não se esqueça que você é minha dupla e pare de se distrair. - disse Geraldinho, o irmão que era somente um ano mais velho que ela.
   As crianças logo chegaram à venda do pai que estava ocupado atendendo um novo freguês...
   -Ceus! Quem é que vejo aqui? Todos de uma vez?– disse seu José.
   Juca tomou a frente e foi logo falando:
   - Bença pai! É que nossa mãe ia fazer brevidade...
   Ele e seus irmãos recomeçaram a algazarra enquanto tentavam explicar toda a história para o pai.
   -Ah certo, que maravilha! – depois de trinta minutos de explicação, José falou. – Meninos na cozinha, que perigo! Bom, se Conceição deixou vocês por conta da cozinha, vou lhes dar os ingredientes. – José riu um pouco e foi aos fundos da loja buscar o sal amoníaco e o resto. – Eu não deixaria os meus filhos pequenos sozinhos na cozinha de casa, mas se a patroa Conceição fala... há-há-há!
   -Obrigado pai! Depois te dou um pouco do meu bolo se o senhor quiser. – Tunico falou já pegando as sacolas. -... Venham logo, cada um carregue sua sacola... Próxima parada, cozinha da mamãe!
   E assim os irmãos saíram alegres e satisfeitos da venda do pai só pensando em como iriam fazer para derrotar o outro na competição.
   D. Conceição continuava na sala costurando enquanto ouvia sua rádio-novela preferida. Os filhos já estavam a postos para começarem a competição e Lurdinha, a filha do meio, fechou a porta da cozinha para a mãe não ouvir o barulho que podiam fazer.
   - Bem, aqui na receita... precisa de polvilho, sal-amoníaco...
   -Lurdinha, onde tá o sal-amoníaco? – Tunico pergunta já rindo para a irmã. – Será que é esse daqui?!? Cheira pra ver se tá bom...
   -Aaaaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiii! Que trem ruim... Você tem certeza que a receita leva isso?
   -Vamo rápido Tunico! A chata da nossa irmã vai ganhar da gente. – Lurdinha exclamou olhando para Mariza, que estava tranquilamente pegando o polvilho de sua sacola.
   -Que isso Mariza... Acho que você não trouxe o sal-amoníaco! Já começou o jogo perdendo... todo mundo sabe que eu é que vou ganhar esse trem e depois não vou te dar. – Geraldinho exclamou fazendo uma careta para sua irmã.
   -É, se você ganhar e não me der nada, eu... – Juca rapidamente defendeu Mariza. -... eu conto pra todo mundo que você faz xixí na cama até hoje!
   -Buááá...o Juca brigou comigo... buááá. – Geraldinho chorava enquanto tentava abrir o pacote de farinha.
   - E vou contar pra todas as minhas amigas...
   -Vai contar nada sua fidida! – Juca, que gostava de começar uma boa confusão, abriu o saco de farinha de Tunico e subitamente jogou um pouco de pó no vestido laranja de Mariza.
   -Agora você vai ver Mariza...
   -Dessa fez não fui eu! Foi o Ju... arrrrr!
   Lurdinha tirou um pouco de farinha do seu pacote e já estava com as mãos prontas para sujar o vestido rosa de sua irmã Fatinha, porém no minuto seguinte, a menina abaixou e Lurdinha jogou farinha na cara de Mariza.
   -Geraldinho, você precisa de mais massa de polvilho!? ...Eu acho que a sua tá pouca... – como um rápido golpe de ataque, Mariza pegou um pouco de seu polvilho e arremessou o pó nos cabelos do irmão. – Eu até queria te ajudar, mas você não me queria como dupla... Há-há!
   Depois de mais ou menos trinta minutos, tanto a cozinha como também os filhos e filhas de D. Conceição estavam brancos de tanta farinha e massa de polvilho. A mãe, que já ouvia toda a algazarra, correu para abrir a porta do “rinque de farinha”, porém Lurdinha já tinha trancado com chave a saída alegando, “-Ninguém entra, ninguém sai”.
   -Filha! Abre essa porta pelo amor de São Pedro... – a mãe tentava sempre manter o mesmo tom de voz com todos os seus filhos. – Abre a porta agora, se o pai de vocês chegar e entrar pelos fundos será pior...
   -Tunico, corre... Vai pros fundos. – Lurdinha tentou cochichar nos ouvidos do irmão, mas este estava irritado por causa da briguinha na cozinha e não quis ouvir.
   Cerca de um minuto depois, passos largos se faziam ouvir no corredor dos fundos da casa.
   -Tarde demais! O que aconteceu aqui? Vão, perguntem sua mãe onde têm vassoura e pano de limpeza... a faxina é por conta de vocês! – José, que apesar de ótimo pai era mais bravo e menos paciente com os filhos, exclamou aos famosos berros ao ver a verdadeira confusão que estava o ambiente. – Não quero nem saber quem começou e nem por qual motivo, causa, razão ou circunstância! Vão buscar agora o que eu falei, não quero ouvir mais nem um pio.
   Os filhos finalmente saíram cabisbaixos da cozinha e cada um foi buscar um pano para limpar a bagunça. José continuava bravo e saiu para ouvir as explicações de sua esposa, que só depois de muito custo conseguiu acalmar os nervos do marido.
   -Escutem bem meninos. – o pai falou ao lado da mãe. - ...Muito bem! Vejo que trouxeram o que pedi. Apesar de tudo, vocês podem comer a brevidade depois que acabarem! Conceição me contou tudo e achei a história até comovente. Não vamos ajudar com a bagunça, mas vamos inspecionar a limpeza pra que isso não aconteça de novo! Então, comecem já... vou voltar pra venda e estão todos vocês de castigo!
   Conceição e José saíram da cozinha e os meninos começaram tristemente a efetuar a faxina.
  
......
   -Ô vó, por que você não faz brevidade um dia desses? – Perguntei ao ouvir atentamente a historia da época de criança do meu pai.
   -Há... Ninguém mais faz isso hoje em dia não meu filho e nunca tentei ressuscitar a receita... Brevidade é coisa lá de quando eu tinha meus 40 anos...
   -D. Conceição, você ainda tá muito nova! Ainda faz crochê e costura. Por que não pode fazer brevidade? – Ri e abracei fortemente minha avó. – Do que seria o mundo se não fossem as avós para resgatarem as coisas antigas da história de nossa família! Brevidade é uma relíquia de família, e como tal precisa ser passada de geração a geração! E além do mais, é lógico, não dá pra ficar sem a D. Conceição... já tô emagrecendo...
   -Está certo meu neto! Que bom que gostou da história dessa velha vó! Amanhã vou comprar o que preciso para a receita.
   O neto deu um rápido sorriso para a avó que continuava a costurar o vestido, depois seguiu seu rumo até o quarto de T.V pensando como seria o gosto daquele bolinho, porque o sabor de “quero mais” ele acabava de conhecer.     
   

Davi Dumont Farace.
                                         Início: 27/07/2011
                                             Fim: 30/07/2011

sábado, 9 de julho de 2011

Não sei, só sei que foi assim... É notícia!

O cabrito que virou bode.

   Era junho de 1970 no interior das Minas Gerais, no distrito de São Bernardo das Águas Verdes que pertencia ao município de  José Olímpio dos Lobos, onde nem todos possuíam energia elétrica...
   -Ernesto, dispois du sirviço quero que tu vai lá na casa do vizim e pega aquele cabritu qui u Mário incumendou pra hoje. O rasta-pé vai sê as seis e já qui nois ficamo de levar a “ceia”, temo que chegá lá cuá minha carruagi com mais o menos uma hora di anticidência!
   -Mais senhor... espia o tempo! São Pedro tá bravo hoje, e mesmo assim se já parar de chover, aquela sua carroça não vai aguentar de lama... a gente pode até demorar mais no caminho e o cabrito esfriar. Eu acho melhor...
   -Num acha nada, quem cocê pensa qui é pra mi dá ordi! Era só o que mi fartava... chispa, vai arrumá o feno e dá pros cavalo e esteja qui pronto às quatro i meia, temos que sair às cinco!
   Ernesto saiu em direção ao estábulo para tratar dos cavalos e Josué, seu patrão, ainda o ficou observando por dez minutos e foi rapidamente para a casa tomar seu banho. Josué não passava nem perto de ser um “bom patrão”. Era uma pessoa ranzinza e metódica. Tudo que ele pensava estar errado deveria ser consertado do jeito dele, ou caso contrário, era capaz de brigar com tudo e todos ao seu redor. Mário nem queria chamá-lo para a festa, mas resolveu convidá-lo, porque era final de copa do mundo e como ele era praticamente o único da região que dispunha de televisão em sua casa ficou com pena do pobre Josué perder aquele espetáculo.
   Passada uma hora, Ernesto já estava esperando seu patrão na porteira do sítio...
   -Vem rápido homem de Deus, eu tô com medo da chuva... Será que não é melhor a gente pegar carona no carro do vizinho?
   -Larga di sê beista sô, a minha possante dá conta di tudo!-  Josué bateu de leve com a mão direita na parte da frente da charrete e um dos nós que amarravam a lona da parte de traz quase arrebentou  -Agora vamo qui vamo! Vem, ôcê trabalhô muito e deixa qui eu tomo a rédia... Pó discansá.
   -Obrigado, mas acho que não dá porque essa estrada tá perigosa e piora se chover.  Ernesto continuava a falar calmante ao lado do patrão.- Vamos fazer o seguinte, o senhor fica olhando o cabrito enquanto eu conduzo.
   Josué pensou e repensou por cinco minutos e depois da “esperada” bronca que o empregado levou o patrão rapidamente pegou as rédeas da charrete e ela começou a andar.
   São Pedro não dava descanso no ceu e Ernesto já matutava como seria uma dificuldade cruzar aqueles 26 km de chuva e lama com o meio de transporte escolhido. Porém agora só pensava em ajudar seu patrão a chegar são e salvo no arraial de Mário... 
  
   O grande dono do arraial já estava impaciente frente à porteira de madeira ao lado do jacarandá. Já eram quase seis e dez da noite e Josué ainda não tinha chegado.
   Sempre que podia, Mário tentava “levar o título” de fazendeiro mais amigo e companheiro da região. Já tinha até se candidatado ao cargo de presidente da Associação de Moradores do Campo, mas por ser uma pessoa meio que ignorante, todas às vezes perdia para D. Margarida, uma mulher culta, porém simples e de menos posses.
   -Patrão, não quero te amolar muito não, mas que horas o cabrito irá chegar? O jogo será as sete e meia, já confirmei pelo aparelho que você vê pessoas em uma caixa de vidro. Mas se o senhor quer fazer a quadrilha, é melhor andar rápido!
   -Por favor Luiz, me chame só de Mário! Não gosto de sê chamado de patrão.-  ele falou entre risos.-  Yerr, vamos preparar a quadrilha, essa copa deu certim cuá noiti di São João. Sabia que u Josué iria atrasar cuá encomenda...
   Os dois caminharam em direção ao centro da fazenda onde os convidados já estavam conversando despreocupadamente ao redor de um palanque coberto com forro azul. Passados dez minutos, Mário anunciou a quadrilha e rapidamente quatro meninas já começaram a buscar o par e puxar a grande roda. Dentro de pouco tempo, todos já estavam dançando.
   - A ponte quebrou!-  Maria, uma convidada com vestido de flores e um laço vermelho no cabelo falou ao alto falante. - Êta forró arretá di bom sô!... Ô a onça!
   -Filha, não tem onça na quadrilha.-  José, o pai de Maria berrou sentado à mesa do lado da fogueira.- Ah, é mió bebê quentão du qui ouví essa fia falando...
   -Uai Pai,agora tem... Nessa quadrilha, se nu tivé trem a gente bota... i cumé qui ér pessoar?!?
   -Éééééééééééééééé!
  
   Distante do arraial, Josué continuava a brigar com Ernesto pela estrada afora. O patrão queria sempre bancar o sabichão da historia e somente depois que levou a charrete pelo caminho errado, deixou seu empregado conduzir um pouco.
   -Está vendo Seu Josué, se o senhor fosse guiando todo o tempo, nunca que íamos chegar ao arraial a tempo. Além do mais, espia! A noite já vem chegando e esta estrada tá um breu. Reza pro seu cavalo ter uma ótima visão no escuro! Ai meu São João, já são seis e vinte e nós ainda estamos a 8 km de distância da festa... e o Tornado, seu cavalo empacou!
   -Para de se perrcupá homi di Deus, a gente vai chegar lá uma hora!... Ma... mais Ernesto, tu vai passar por aí? Diz que t... tem assombração!
   -Larga di sê beista! Tem nada lá não... - o empregado agora imitava a fala e os gestos do patrão.- Não foi o sinhô mesmo que disse istrudia qui essas coisas não existi?- Ernesto falava, enquanto olhava sarcástica e misteriosamente para Josué. - Alto lá, alto lá, e alto lá... Se sou eu que tenho medo, por quais cargas d’água você já tá quase mixando nas calças? Há-há!
   -Arrrto lá digo eu! Impregadinho beista sô... Ouvi um cau...causo que istru...istrudia a Rosinha ta...tava p...passando por e...es...essas bandas a noite...
   -Já sei... a patroa tava passando e uma das “cabeças fantasma” da estrada começou a mugir e correr atrás da coitada... – Ernesto mudou repentinamente a voz para um tom macabro e rouco. – e depois, Rosa nunca mais foi vista... Há-há-há-há-há!
   -Paaaaaaaaaaaaaaara homi, tá me ass...assussustano cada vez mais! E fala baixo... você não sabi si os ispíritu tão com rávia de alguém... já eu nem quero saber mais de Rosinha, eu só não que...quero ir lá p...pra discub...brí, só sei que foi assim.
   Logo a sua frente, na curva da estrada surgiu uma enorme cabeça branca flutuando como se fosse uma vaca sem corpo.
   -Vixe! - diz Josué apavarado. - Que é isso homi de Deus? Já ouvi falar em mula sem cabeça,mas vaca sem corpo nem sabia.     

   -É clara a fúria dos espíritos desta estrada, podemos ver pelos seus olhos! – o outro continuou a brincar com a cara do patrão durante um tempo, depois pegou uma lanterna na charrete e foi ver a “assombração”. – Ah não patrão, a vaca me pegou... Larga di sê beista o sinhozinho! É apenas um animal normal ruminando... vô te ispricá. – e mais uma vez imitou a voz de Josué. – Estava já tudo escuro e o corpo desse ruminanti é preto, por isso a cabeça estava flutuando!
   O empregado parou, riu um pouco da cara do patrão e depois voltou para a charrete. Finalmente o cavalo resolveu andar de novo e os dois ficaram quietos sem se falar um pouco, porém passados 30 minutos Josué quebrou o silêncio e perguntou com voz de menino que se redimia para Ernesto:
   -Então vamos falar agora sobre u “ruminá”, me insina a falar como cês dizem. Vamos lá... Eu rumino... e depois?
   -Ô meu pai, eu mereço esse trem que não sabe nem falar direito. – e olhando com pena para seu patrão, falou rapidamente. – Só te ensino se tu me pedir desculpa por tudo.
   Os dois finalmente fizeram as pazes. Ernesto sabia que pela cabeça teimosa de Josué, aquele momento de calmaria iria durar pouco tempo e resolveu curti-lo ao máximo.

    -Ah, meu cumpadi Josué... que bom que chegou! Como tem passado Ernesto? Se meu amigo judiar de você nessa colheita, pode vir trabalhar aqui comigo...
   -Sempre engraçado você não é Mário? – Josué de repente deu uma cotovelada de leve em seu empregado. – Sinto muito, mas eu ainda sei como se tratar bem um empregado da minha pequena propriedadi... E diga lá homi, que horas é o jogo?
   Eram quase sete da noite e todos na fazenda vieram cumprimentar os dois convidados de uma só vez, muitos, é claro, de olho no cabrito. Porém como a comida tinha esfriado com a viagem, Mário mandou um de seus a esquentarem no forno a lenha para depois todos comerem durante o grande espetáculo da noite.
   A hora mais esperada da noite chegou e Mário subitamente fez um sinal para os sanfoneiros pararem de tocar. Agora todos os convidados se reuniam na grande sala de estar da fazenda para se maravilharem com aquela “caixa mágica” por cima da mesa de madeira.
   -É um, é dois, é três! – o dono da casa ligou o aparelho e algumas pessoas lacrimejaram os olhos. – Pronto! A magia da T.V agora tá mais pertu di nóis... Tensão, o jogo começou... vai cabra, pega a bola e faz gol!
   -Ô fia... é muita emoção! – Marta, uma convidada que beirava já os 42 anos, falou com os olhos molhados para sua filha Janete.
   -Que coisa maravilhosa! Brigado Mário, istrudia quero repô u convite...
   -E será bem vindo Xico! Que bom que gostou.
   -Já tô uma poça d’água, é muito emucionante!
   -Para com isso Viví... se não o seu Zazá também chora...
   Margarida, a mulher “rival” de Mário quando se tratava de eleição para presidente da Associação de Moradores de Campo, que estava vendo todas aquelas pessoas maravilhadas pela magia daquele objeto, resolveu falar e tentar esclarecer a situação:
   -Pois é, nós que estudamos mais um pouco sabemos que isso nada mais é do que as novidades da tecnologia que vêm chegando, estou certa Mário?
   -Arrrto lá! Qui kocê falô? Tem ticnologia coisíssima ninhuma! E só a tumada qui eu ponho no buraco e ela liga...
   -Uai uai uai... Não Mário, ai meu Deus do ceu! – Margarida abaixou um pouco o tom de voz. – Marinho, achei que você por ter essa fazenda toda e ainda por cima querer ser presidente da AMC um dia... achei que você sabia que é o satélite é que transmite a imagem na T.V... Arrr meu Santo Antônio, não é mágica nenhuma, só pura tecnologia!
   -Apoiado! A patroa é intiligente, ela sabe das coisas. – Alice, a única empregada de Margarida falou ao lado de José, e poucos minutos depois, mais algumas pessoas resolveram também apoiar a atual presidenta.
   -Não... cê tá errada mulher... Tem satélitu coisa ninhuma!
   -Apoiado! É por isso que eu voto em você. – Josué, seguido por muitos convidados que não eram tão bem instruídos e gostavam de criar uma boa polêmica, se levantou e ficou ao lado de Mário.
   -Vírrr sua fidida? O povo tá do meu lado e eu vou falar... se eu digo que não tem satélitu é porque num tem! Ta veno us pos’ti’lúis?  Basta um fiapim da coisinha brilhante que passa dentro deles pra gente podê ver a imagi na caixa!   
   -Calma, não se irrita homem de Deus! Mário, Mário? Não creio... um político ilustre como você! Como acha que a coisa brilhante desce pelo cabo de luz?
   -Tu qué sabê di uma coisa. – Mário correu vermelho de raiva, para perto da mesa onde ficava a T.V e com um rápido puxão, desligou o aparelho.
   -Íííííí gente! A caixa misteriosa apagou por uma força oculta! – um senhor de seus 86 anos, que estava mais dormindo do que acordado, exclamou subitamente.
   -Repete, repete na minha cara qui issu é verrrdade! Vai Margarida... bota, põe seu satélitu aí e “rissuscita” a T.V vai! – Mário olhava como um galo de briga para sua rival enquanto Alice comia os últimos doces da festa. – Ô miá fia, sê não vai pô...  pó pô, eu deixo... Arrr quekó fiz pra miricê issu, xiiiiiiiiispa! Vai, vaza daqui de casa e... – Mário olhou ao redor de si e seus olhos pararam em cada um que ele achava estar errado a respeito do satélite. – Vão embora daqui cês tudo! Não quero gente qui credida em satélitu mais aqui não! Margarida, tu pode sê a primeira a ir embora... dispois vai você Alice, tchau Pedro, tchau Ana, tchau Crareti... Tem mais cabritu pro cês não!
   A cena foi quase que um arrastão, Mário começou a expulsar mais de um terço dos convidados.
   -Ninguém vai ver mais jogo coisa ninhuma! Vamo, eu e os meus amigos vamo comer cabritu, não pudému nus misturá kuéssa gentalha!
   E... finalmente o cabrito chegou à mesa de jantar da fazenda, porém só quem não tinha sido expulso conseguiu comê-lo e o causo virou notícia.

     Davi Dumont Farace.
            Início: 06/07/2011
               Final: 09/07/2011

terça-feira, 5 de julho de 2011

Para refletir.

Metáforas.
Letras; símbolos; histórias; fantasia...
Sinto que estou (deveras, mais uma vez estou eu) na casa abandonada,
Receio que não penso mais como pensava antes...
Tenho medo; fobia de esquecer... de não lembrar mais daquilo que deveras penso,
Ou até de me chocar contra esse bonde da estação...

Não sei se esse caminho é o mais certo,
até me pergunto vez ou outra, “será que me encaixo?”
... Não vivo à espera daquilo que (Glória!) poderá acontecer um dia;
Vivo sim à procura e à renovação de coisas que (Deveras) já estão comigo!

Consulto rapidamente o meu oráculo...
Ou se preferir, a minha “fortaleza” onde ninguém pode me encontrar.
Se achares que estou ficando doido,
  digo-te que acho que apenas penso alto demais para um garoto de 20 anos...
Apenas me desculpe por tentar, pensar diferente às vezes...
... pois, deveras, agora não passo de um jovem “literato” que sonha;

 Muitas pessoas têm objetivos na vida,
 talvez até a coisa que mais lhes motiva à continuar nas estradas... 
 E mesmo que eles aparentem ser somente sonhos (grandes demais) agora,
 um dia, se elas batalharem, esse futuro chegará...
 Então calmamente peço a vocês
 não impeçam eles e elas de sonhar...


Davi Dumont Farace.
                                              05/07/2.011