Educação para
loucos... e normais.
O filme “Laranja Mecânica” (em título
original “A Clockwork Orange”) foi publicado pela primeira vez em 1972 e
relançado em 26 de abril de 2013. Logo no início da história observa-se um
grupo de quatro amigos, com roupas de mesmo estilo e que nos faz lembrar
camisas de força, o que pode deixar-nos pensar que tal filmagem se passará em
um hospício e/ou os próprios personagens principais são loucos. Também
observa-se que o título do próprio filme não é comum e não diz nada sobre
“como” a história poderá se desenvolver. Logo, não é fácil se imaginar o que ou
como uma “laranja mecânica” seria. Poderíamos supor que, vendo o título e o
associando às características dos personagens, o desenvolvimento dos fatos no
filme serão rápidos e todos eles processados para virarem suco depois, pois o
próprio enredo, que pode ter no mínimo uma carga filosófica, “condensa” todos
os sólidos acontecimentos na mente de uma única pessoa, Alex, um dos quatro
amigos, que logo depois de algumas cenas descobrimos ser absolutamente normal,
apenas um delinqüente juvenil com tantos outros.
O protagonista Alex, que é também o
narrador da história, finalmente é pego em flagrante e vai para a prisão depois
de uma invasão em uma residência. Seus amigos, que também eram os cúmplices do
“assalto”, fogem antes da polícia chegar. O jovem então é condenado pela
grotesca e no sense morte da dona da
casa, e a partir daí a vida dos quatro “loucos” tomam caminhos diferentes.
Depois de dois anos na prisão é que o
enredo do filme começa e ficar ainda mais filosófico e educacional. Isto é, ao
desejar ir, “ser escolhido” como cobaia para o método Ludvic, e passar algumas
semanas em uma espécie de prisão-reformatório, o ex-detento realmente começa a
mudar, porém dadas à algumas circunstâncias posteriores, não sabemos até
quando. Alex fôra exposto a uma técnica comportamentalista de
estímulo-resposta; e pouco mais de quatro meses depois finalmente foi solto.
O questionamento que o pastor da ex-prisão
do jovem faz é inteligente e de total importância também para a conclusão do
filme. Ora, ele reconquistou sua liberdade física; o direito de ir e vir; mas
sua mente fôra trabalhada para isso; através dos filmes e da curiosa Nona Sinfonia
de Beethoven, que é inserida em um contexto diferente daquele para o qual fôra
composta. Relembrando o método de ensino tradicional, onde há também essa
tentativa de “controle”, a mente de Alex é lapidada através de estratégias
psicológicas para enfim “trabalhar” como terceiros desejam, abandonando seu
antigo gosto por atitudes “de louco” e delinqüentes.
Porém depois de tantos anos preso, o
protagonista perde sua antiga e “calma” vida na casa dos pais. Achando que não
vão ver o filho novamente, os pais alugam o quarto de Alex e o jovem, se
sentindo trocado, sai de casa para não mais voltar. Andando sem rumo ele
encontra um mendigo, que por ironia do destino é o mesmo indigente que o
ex-detento e sua gangue espancaram sem necessidade logo no início da história.
Logo, o feitiço vira contra o feiticeiro e os mendigos se juntam para bater em
Alex. Dois policiais o socorrem mas por fatalidade são ex-integrantes da
gangue. Aqueles que deveriam fazer justiça o levam para longe e fazem novamente
atrocidades com o rapaz. Meio tonto e cansado, chega à casa de um velho
escritor, o qual a ex-gangue do ex-detento um dia invadiu. O velho então o
mantém em cativeiro por um tempo e depois chama os antigos médicos do jovem
para juntos decidirem o que fazer. Assim ele é colocado em uma sala vazia
somente em companhia da Nona Sinfonia de Beethoven, que toca interminavelmente
no aposento e o deixa ainda mais louco. Vendo uma janela como a única saída do
quarto, acaba por cometer suicídio.
Novamente por ironia do destino ou não,
ele não more. Vai para um hospital para tratar suas fraturas e um belo dia
recebe a visita do dono de sua ex-prisão, que tenta mais uma vez “controlar” a
mente do pobre Alex e fazer com que não comente sobre o ocorrido nos jornais.
Depois de pouco mais de duas horas de filme re-escutamos a música, que o
visitante benevolente traz para o adoentado como presente e “lembrança” da
visita. Como gran finale, temos uma
cena aparentemente desconexa da história. Porém, se olharmos o inconsciente de
Alex descobrimos que pode ser verdadeiramente aquilo que ele está pensando no
momento, pois não há como se apagar o passado.
Aparentemente um filme louco e um tanto
previsível no começo, contudo inteligente e bem montado no final. Mostra como
uma técnica educacional, o método comportamentalista, pode ser eficaz somente
nos primeiros anos de tratamento, pois a vida de um indivíduo é bem maior e
mais complexa do que uma simples prática pedagógica. Logo, um indivíduo pode
assim como Alex mudar, porém depois de re-colocado no mundo e sofrer nas mãos
de pessoas de seu passado e/ou alheias à sua história, por exemplo, poderá
voltar e mesmo que inconscientemente revidar a situação.
Em conclusão, podemos alocar “laranja
mecânica” em, dentre outros, três ambientes distintos: prisões / reformatórios,
política, e religião. O primeiro e mais evidente se visa “remodelar” um
indivíduo segundo um pensamento próprio, com algumas estratégias tipo trabalho
voluntário e acompanhamento psicológico; em segundo lugar se mostram aqueles
que estão no poder e não se intimidam ao falar de corrupção, e ainda se alguns
novatos entram e querem fazer uma coisa nova são deglutidos e inconscientemente
controlados por terceiros; por último mas não logicamente nessa ordem estão
aqueles que através de alguma crença ou outra “mudam” ou “visam mudar” um
“fiel” em benefício próprio ou torná-lo de acordo com as crenças da sociedade.
Logo, uma prática pedagógica perfeita e
100% eficaz não existe e ninguém pode, como é o sonho de muitos, “controlar” a
humanidade e fazer tudo ser do jeito que deseja o indivíduo. A vida de cada um
é única e não pode, nem deve, ser controlada.
Davi
Dumont Farace.
10/09/2015 – 12/09/2015