O príncipe e a
amazona.
Galopadas ouviam-se ao longe
enquanto ela perseguia um trecho ao lado de dois caminhos vazios. O cavalo, de
pelagem escura e vistas completamente despertas iguais à sua domadora, era
conduzido com foco através daquelas planícies, depois, é claro, de terem
passado por alguns percalços pelo caminho. A princesa, uma bela e valente
amazona, outrora tinha visto em sonho a alguém que dormia, logicamente
previsível, na torre mais alta de um castelo. Por alguma ou outra razão teve
consciência de que aquilo era real e resolveu arriscar. Em dormência atrás de
grossas plantas com pontiagudos espinhos, ele talvez não se permitia andar por
suas próprias pernas e vivia solitário, em um universo à parte que podia, por
ele e quase exclusivamente por ele, ter sido criado . No início, provavelmente
fôra ela quem sonhou com o cara; pois... como ele podia começar a história
naquele estado? Quer queira quer não ele estava dormindo, inerte na cama e não
podia fazer nada além de esperar. Porém, recentemente o rapaz de nossa história
começou enfim a ter um pouco mais de consciência. E sua abstrativa mente
poderia tê-lo ajudado, na medida do possível, a não perdê-la de vista. A
princesa, se destacando no meio da multidão e mais concretista do que ele, não
tinha medo do que podia enfrentar; talvez porque já tivesse lutado com dragões
e feras muito maiores do que ela, em lugares onde o dormente príncipe
provavelmente nem cogitava ir... Sobre isso, ela poderia ter parado com essas
criaturas porque, ainda que fossem atrativos e cuspissem rajadas flamejantes
por exemplo, a garota se perdia em
admirá-los demais, o que os dava chance para fazer de vítima uma cidade
inteira, talvez, enquanto a pobre amazona ficava de refém. Buscando também uma
aventura não tão perigosa mas não menos excitante (de certa forma, seria nova),
achou melhor arriscar. Talvez aquela poderia ser a realidade esperada, ainda
que em um primeiro momento não o fosse.
Mas, por que aquilo somente
estava acontecendo agora? Ora, o
príncipe da história já tinha passado a puberdade à muito. No entanto, o belo
adormecido era pequeno ainda, não unicamente em seu tamanho, mas só tinha
“acordado” para aquela vida agora. Antes, palavras e pokemon o ajudavam a
preencher o tempo (contudo, mesmo com aquele novo concretismo se avizinhando,
ele não buscava perder sua peculiar infantilidade). Tinha medo, medo de acabar
a rotina. Medo de, assim como ela com os dragões e gigantes, entregar sua vida
a uma pessoa estranha e esquecer-se de quem verdadeiramente era. Talvez seria
difícil se reconstruir; talvez tinha que reconstruir-se de acordo com sua nova
vida; talvez seria muito difícil... mudar. Não que ele não gostasse de mudança;
as curtia até mais do que um homem poderia curtir, mas às vezes isso o
atrapalhava. Quando se empolgava com uma coisa, deixava seu lado criança falar
mais alto e..., é lógico que isso iria assustar qualquer pessoa alheia, a menos
que essa criatura não fosse de carne e osso ou seus pais, por exemplo. Também
nunca tinha ligado para aquilo no tempo certo; sua vida inteira podia ser
anacrônica. Como, sei lá, um mago que gosta de brincar com o tempo, viajava
mentalmente por todas as fazes da vida e não sentia-se todos os últimos 365
dias com 22 anos... Não, é claro que ele tinha suas crises existenciais de vez
em quando e desejava estar junto de pessoas de sua idade. Porém, não falava
todo o tempo sobre assuntos que pessoas de sua época se interessavam e isso o
fazia ter mais amigos velhos do que jovens. Também, (isso não o incomodava
muito antes, mas agora que o povo estava crescendo, ele estava na faculdade,
indo mais para a academia e vendo todos aqueles marmanjos levantando trocentos
quilos em cada exercício) não tinha um corpo assim de meninos de sua idade...
Graças a Deus, estava se definindo agora, mas ainda era muito difícil ganhar
massa muscular. Um cara que sempre (ou muitas das vezes) pensava demais antes
de agir; uma pessoa que adorava escrever e reescrever seus contos várias vezes,
recordando e imaginando coisas; esse era o príncipe.
Enquanto o outro pensava e
acreditava naquilo como outrora nunca tinha acreditado, ela corria por aqueles
campos verdejantes como ninguém. O belo adormecido não queria chamá-la de
“heroína” ainda, porque presumia estar muito cedo; ainda que ela o tirasse
daquela torre e vivesse toda uma odisseia ao lado dele. Podia ser, assim como
podia só ser uma história mesmo. E, como histórias, podiam ter bruxas,
aventuras incríveis, peripécias... podia até ser trocada ou apagada e voltar de
novo graças à um beijo do amor verdadeiro. Então será que ele, em forma humana
que estava, viraria um sapo no final da história? Ou o sapo-humano podia virar
um príncipe de verdade pelo beijo de princesa? Preferia ele a segunda opção.
Correndo pelas passadas do
cavalo assim como o destino de ambos era ou quem sabe fôra já traçado, nenhum
nome ou coisa a respeito dela o vinha em mente. É claro que imaginava, e, como
agora sentia que não estava tão “fissurado” em estudos e podia pensar mais em
outros assuntos, ficava horas a imaginar. Imaginava ao ponto de escrever,
escrevia ao ponto de sentir. ... Certa vez, alguém o falou que ele tinha que
“saber pedir”. Pedir com mais foco, com mais desejo, visualizando todas ou boa
parte das características da pessoa que queria ao lado. ... Pensando nisso, ele
imaginou sei lá, uma loura arquiteta, mas isso foi mais zoação do que realmente
desejo. Seria bom se ela fosse tipo assim um pouco muito diferente do que ele
em algumas coisas; porque assim ela o poderia mudar assim como ele a mudaria,
(para ambos encontrarem a medida das coisas, pensava ele). Se ela fosse mais
“pra frente”, mais “de sair”, falasse o que viesse à cabeça e não fosse muito
influenciada pela sociedade... aí seria bom demais. E podia realmente ser
assim, afinal de contas ela era uma amazona, uma guerreira que não tinha medo
de aventuras e possivelmente já teria vivido até muito mais do que ele. Se ela
fosse mais “da noite” do que “da manhã”, com certeza isso acordaria o príncipe
e o soltaria mais para a vida. Se sua princesa gostasse de coisas diferentes, o
ex-belo adormecido poderia surpreendê-la com suas histórias e seu jeito “nunca
único” de viver a vida.
Geralmente,
homem é mais de físico do que mulher,
pensava ele em momentos de consciência, mas nessa história parecia diferente.
Ele, lembrando entre risadas da loura arquiteta (que imaginou entre risadinhas
bobas e tolas também), não conseguia imaginar a figura, ainda que pudesse
rascunhar a alma. Isso foi meio RPG de falar, mas quando disse “alma”,
queria dizer “qualidades e defeitos”; só para ser um pouco mais poético e
pensar que tinha poderes, dois hobbies
que pareciam essências à sua vida. Ainda sobre isso, nunca ligou tanto para
aparências. Para ele, o que existia de mais bonito e duradouro era o interior,
não o exterior.
Porém, as horas se tornavam dias
e ele achou mais prudente se distrair com outras coisas, talvez com jogos e
estudos ou não falar tanto nela. Nesse intervalo, pensava alto ou então falava
com Deus mesmo sem perceber. Tentava se distrair porque, embora ainda se
sentisse na torre, um tempo atrás começou a querer sair por conta própria e
confundiu-se pelo caminho; caindo sempre em alguma de suas primeiras
armadilhas. Agora não sabendo o que fazer, fechou os olhos e escutou, pois
assim lhe aclarariam mais as ideias.
Circunspecto em sono, pôde
sentir um espelho à sua frente; talvez até já o tivesse examinado, e ele ainda
continuava lá, como se outrora já se tivesse mexido. Em verdade, aquele era um
objeto (criado per ele, talvez) que captava todos os medos e anseios do
príncipe sobre aquilo, e os convergia em uma só pessoa. Devia ter alguma
relação...
Eles, enfim, estavam na direção
certa do castelo. Não fosse o dormente criando inconscientes barreiras e
obstáculos para os dois, a amazona chegaria mais rápido.
- Princesa, boa tarde. – um
forte cavaleiro ajoelha-se ao lado de uma árvore e diz o nome. – Sou amigo
daquele que procuras. Nós dois estudamos juntos nos tempos de colégio e a muito
não o vejo também. Ele me enviou até vós, e se queres encontrá-lo, estás no
caminho certo.
A amazona riu e, com um pouco de
desdém, fez sinal para o cavaleiro a seguir com seu cavalo também de pelagem
escura. Ao percorrerem cenários cheios de vegetação e pedras, porém vazios de
pessoas, o amigo de infância do príncipe contava para a guerreira qualidades e
defeitos daquele que dormia, enquanto observava com minúcia qualquer movimento
pelo caminho, pois a partir de agora poderiam estar sendo seguidos.
Na torre, o espelho mirava o
belo adormecido, contudo não refletia seu reflexo. A imagem, meio que presa por
entre o vidro, era de uma senhora alta com um longo vestido azul escuro. Já que
aquilo tudo era um peculiar conto de fadas, podia deduzir sobre aquela figura.
Pelo menos ela não falava, somente o olhava com aqueles paralisantes olhos
verdes e sua reluzente coroa prateada.
Estavam em perigo! Não só o
príncipe e a amazona, como também o cavaleiro que a acompanhava e talvez as
outras pessoas do reino. Desesperado como era, (ainda que aquela malévola
figura estivesse lá todo o tempo, ele não podia perder agora que faltava tão
pouco), o adormecido criou, mesmo sem tanta consciência, um pequeno e peculiar
bicho do sonho, que podia entrar na mente de todos sem encontrar alguma
dificuldade. O plano era o seguinte: O
animal ficar alocado na mente da amazona até a fatídica hora em que a madrasta
também entrasse. Usando seu poder de "viajar" por entre atmosferas,
ele voltaria ao plano material e assim sugaria a madrasta para lutarem
normalmente ao ar livre, já que tinha também um poder que os
"forçava" a batalhar obrigando a vítima a sempre olhá-lo nos olhos...
E então seriam dois contra uma. O príncipe se privou de falar mais pois aquele
espelho o poderia ouvir.
- Então princesa, vai gostar de
conhecer meu amigo. Ele é um pouco diferente, mas bem legal de conviver. - o
cavaleiro falou e logo depois avistaram uma placa que apontava para duas
direções que depois de muito andar se cruzariam novamente. Uma dava acesso à
uma floresta e a outra à uma ponte de madeira, com uma calma cachoeira depois.
A amazona, ainda com uma cara de
deboche, tomou a frete e foi para o lado da ponte, pois estava cansada de tanto
andar e seu cavalo precisava também de irrigar suas patas. Ela era rápida e,
quando o cavaleiro a avistou, a princesa já estava no meio da ponte caminhando
para o final, enquanto o amigo do belo adormecido ainda se encontrava no meio
da bifurcação. Uma rajada de vento contou a passagem, e ela novamente estava
sozinha.
Como não era do gene dela parar
e procurar outra saída sem terminar aquilo que tinha começado, mergulhou-se na
cachoeira e espaireceu melhor as ideias. O fiel e corajoso escudeiro do
príncipe ainda estava lá, sentado e sempre alerta, mas somente o que via eram
névoas que avisavam o tempo frio que se avizinhava. Também, era longo o caminho
de volta e a princesa, agora distanciando um pouco do belo, caiu em dormência e
assim se passaram três dias.
Ainda no castelo, o príncipe teve de ter
extrema cautela para não deixar com que tudo fosse por água à baixo. Devia
ter "criado" um monstro que me impedisse de pensar tanto nela, falava
o adormecido naquela espera sem fim. Como ela está agora? Será que ela
morreu, não existe mais ou tudo foi só invenção de minha mente?! Acorda, Davi! Ele
alternava os olhos e observava ora à ela dormindo na cachoeira, ora o espelho
que finalmente agora refletia a imagem dele que chorava, mas nunca mais fitava
o vazio. Correto, ele podia ser diferente e sair mais "pra caçar",
igual aos outros meninos de sua espécie. Porém, ainda que a vontade fosse cada
vez maior de uns tempos pra cá, não sabia com tranquilidade fazer aquilo e já
estava velho. Isso é, com 22 anos.
No exterior, a amazona acorda aflitamente
e, percebendo que já se passou muito tempo, apanha apressadamente suas roupas e
sai em busca do cavaleiro. Ele ainda vigila a estrada e o máximo que fez até o
momento foi tirar leves cochilos, porém, o inimigo passa sem ser visto por
entre aquela névoa e se reflete no espelho da cachoeira.
(...)
Sinceramente o adormecido não tinha
cogitado aquilo, e devia ter sido por isso que deu tão certo. Com um golpe
certeiro de espada, a amazona matou a madrasta, e esta por sua vez matou o
"bicho" do sonho que a sugou para fora, assim como o príncipe outrora
tinha pensado. O cavaleiro, que depois de um tempo viu uma silhueta feminina
chegar, correu ao seu encontro e os dois continuaram, enfim, o caminho.
- Por favor, vá na frente e cuidado onde
pisa! A madrasta não vive mais mas podem existir armadilhas. - a princesa falou
ao chegarem à grande porta do reino e parou, coisa que habitualmente não fazia,
por um breve instante a observar a paisagem.
As pessoas da vila eram educadas e igual
ao príncipe, almejavam que aquela antiga e estranha torre, que fôra transportada
para o reino não se sabia quando, fosse enfim destruída. Contudo por medo,
aqueles moradores nunca ousaram entrar na construção; e os que tentavam eram
impedidos graças à uma magia ou artimanha da própria torre.
Ela cortou as grossas e espinhosas plantas
que cercavam a vila e as mesmas não cresceram de volta, pois a madrasta não
podia mais ordenar para que crescessem. Esquivando de obstáculos e guiados por
uma coisa invisível que os puxava, pois a amazona agora sentia que "sua
recompensa" estava perto, rompeu as madeiras da correta porta e chegou ao
seu destino. O príncipe moreno-claro e de olhos castanhos dormia sorridente à
sua frente.
Como sempre com cautela (eles eram mais
calmos que o aflito príncipe), ambos percorreram com minúcia o salão em formato
oval e cruzaram seus olhares no espelho que já não os observava. Vaidosa, a
princesa fitou o objeto e aprumou seu longo cabelo. Depois de um longo e
esperado beijo romântico, ele enfim acordou.
Alertados pelo cavaleiro, os dois que
agora estavam finalmente juntos pularam para algum canto seguro pois a torre
estava desmoronando-se. Contudo, deu tempo suficiente para os três se ajeitarem
e para o fiel amigo do príncipe os protegê-los com seu escudo ainda não usado.
Ele ficou maravilhado ao ver que o cavalo
de sua guerreira era, na verdade, um hipogrifo. Antes de escaparem, o grupo
encheu-se de coragem e juntos quebraram o espelho para o mal que se escondia lá
nunca mais voltar. Entre palmas e urros de viva, as pessoas da vila atônitas
correram para ver os três valentes que desciam.
A festa no povoado durou três dias e o então
casal prosseguiu em viagem.
Belo
Adormecido
Manhã
do dia 4/10/2013 – mas comecei a matutar sobre isso antes.
- quase 12:30
de um 2/6/2014
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